sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A batalha quase naval

Olhou para os trópicos e viu que rugia uma extensa ondulação prateada. Soberbos, os micro-climas duplos faziam história nos canais abertos. Ao aproximar-se, rasgou em fúria as cartas estacionais. Não era um terremoto que o afligia.
O reter das águas espigaram quando a barcaça virou, recta, rainha do espaço verde-azul-prata. Os canhões dispararam rompendo as fragatas dentadas. Num serialismo obsceno as viúvas choraram na praia.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

A rústica parede em relevo

Subíamos degraus às escondidas só para ver o que havia do outro lado. Sublinhavam-se Martes no horizonte de pedra. Nós, de fio ao peito e cabeça erguida, pulávamos o muro da compreensão. Lá por trás havia uma mancha que arranhava os céus em padrão oblíquo.
Sistematicamente percorríamos o corredor de portas, imensas portas em fila no limiar do bosque. A beleza das fontes enaltecia o emblemático calor que emanava daquela estrutura. As estranhas configurações herbais de arquitectura polifónica cobriam a última porta. Ao ser escancarada a revelação era eminente. Desvendava solene, em ritmos circadianos, aquela magnífica virtualização compacta. Do núcleo surgia, em ilustração, a rústica parede em relevo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O bloco de memória de um teatro

De manhã convinha mudar as águas turvas daquele bloco de memória. Lembrava-me de um teatro. De uma dicção própria que vagueava entre as muralhas da peça.
Neste bloco de memória o teatro partia de país em país. Eu era um capitão de mares revoltos, transportado por carroças equiparadas a asnos brilhantes. Eu era um palhaço triste embebido em miséria. Eu era uma partitura triplicada de sinfonias coagulantes. Eu era todo um território de personagens dizimadas pelo fim de cada acto.
A cortina rasgada fechava o ciclo. Apenas o bloco restava.

Os conta-chaminés

Todas as manhãs contávamos chaminés. Percorríamos extensos territórios molhados, repletos de pequenos oceanos aos quais chamávamos poças. Na lama reflectiam-se os espasmos industriais de fábricas em dilaceração ambiental. E nós, pequenas térmitas humanas, calculávamos em alta voz as tonalidades tóxicas das máscaras de gás.
Ao fim da tarde, cansados de brincar aos conta-chaminés, tecíamos sonhos das cascatas de pó que, como neve de laboratório, cobriam pixeis de realidade.
Depois vinham as noites outrora iluminadas. A cada uma que passava trazíamos nas contas uma chaminé a menos. Até que um dia só havia uma chaminé. A chaminé do vagão para a nossa morte.