Os globos de luz dos candeeiros incidiam numa forte impressão muito devido a um aguaceiro inconstante e vento sinuoso. A prostituta mantinha-se junto a um pequeno toldo abrigada do vendaval. Ampla das ancas e corpo desenxabido e trôpego, a criatura lá mantinha a perna grossa e inestética traçada na parede. Neste somenos, surge um homem proeminente e soturno, munido de chapéu de chuva. Na realidade, a abordagem parecia ter sido planeada; ao aproximar-se, retirou o chapéu que estirou junto ao peito: «Boa noite.» A prostituta sorriu: «Que deseja, avozinho? Um par de luvas?»
- Podes tratar-me por avozinho, eu não me importo. De todo. Apenas desejaria que me acompanhasses aos meus aposentos. - Onde são os teus “aposentos” – escarneceu com um esgar, expelindo o fumo do cigarro. – E antes de mais quero um sinal, estás a ver? Um adiantamento.
- Aliás, aqui o tens.
O homem proeminente e soturno estirou uma nota de elevado valor que muito surpreendeu a prostituta. O seu corpo enxuto ainda mais perdeu o vigor.
- Vem comigo, verás que não te arrependerás.
Nos aposentos do homem proeminente e soturno reinava a mais asséptica arrumação. Tudo estava ampla e tenuemente refundido por uma luz sacramental; e o perfume do incenso tudo doirava em redor.
- Que belos aposentos, avozinho.
- Estes aposentos não são meus: são do meu primo; ele está em viagem pelo leste da Europa: deixou esta casa a minha responsabilidade.
- É este senhor? – indicou a prostituta um enorme retrato. Tratava-se de um senhor em tudo semelhante ao homem proeminente e soturno.
- Anda, p*ta – ameaçou o homem proeminente e soturno abruptamente -, mostra as tuas entranhas; quero ver as tuas entranhas! - E de tanto esgaravatar, a carne da prostituta principiou a romper em sangue. O acto fora tão abundante e violento, tão desconcertante, que a carne saltou da entranha e da gordura, que gotejava nas suas mãos fervilhantes. Um sangue espesso jorrou em catadupa contra o retrato. Enterrou o focinho na víscera; uivou em ufania escarlate. Sim, ele riu; e quando riu sentiu que o coração da vítima pulsava; e quando sentiu que o coração da vítima pulsava, o homem proeminente e soturno saltou de alegria (...)
segunda-feira, 6 de maio de 2024
Sinistra
domingo, 5 de maio de 2024
Mansidão
Dedicado a Eduardo Cardoso,
Que me ajudou nesta fase contraditória, um
Für Immer
Quero estar no meu quarto,
(Porque eu adoro o meu quarto)
E ter esta percepção genuína.
Eu embrenhado na noite... Que trato!
Apenas eu e a escuridão
No meu quarto de ameias encerrado
Sem janela nem modas apetrechado
Movendo entre a mansidão.
É um consolo que me assiste
O estar aqui dentro sem haver lá fora
Ser eu próprio, aqui e agora
Onde a música religiosa atriste.
Prelúdio para uma noite cerrada,
Clarinete dentre o quarto hermético
E musicalidade ao meu ouvido estético,
A nada errante a sons prelada.
Que seja esta religiosidade musical,
Esta religiosidade latente aos meus ouvidos
A primavera atonal dos meus sentidos
E nem sempre estes versos avulsos capital.
Recordar esta noite que me sustém...
Carregada de breu, em tudo abaulada.
Fora dos meus nervos, então desarranjada...
Aconteceu-me a noite em Belém.
E os guizos são outros, revelados.
E faz crer que o quarto está a léguas
Ainda que alta lassitude, tréguas...
Onde a lucidez e amor velados.
sábado, 4 de maio de 2024
A fome
Quem atravessa a Rua Cruz de Pedra, lá é tudo feio: automóveis atravancados como metal pedregoso ao sol; casas de um raquitismo desmaiado, outras reformuladas sem generosidade. Mas quem desemboca no Campo das Hortas, onde já a Sé encima, o Sol abre para um jardim parcamente florido, e a atmosfera, então saturada de construções arruinadas, dá para a uma catarse de ar fresco, onde não muito longe eu vislumbro a Porta Nova. Restaurantes pululam ali como nunca antes; nota-se o aroma das refeições vespertinas entre fogalhas e frenesi. Avanço para a rua dos Biscainhos. Uns passos em diante transpomos o Arco. Fervilha deste lado saúde e mercantilismo. E a Praça Velha, soalheira e vespertina, onde emboca a pitoresca Rua da Violinha. Todavia, nesse dia estaquei.
Nesse dia, combinei almoçar com o meu pai. O meu pai trabalhava na Biblioteca Municipal num gabinete para ele. Sim, era funcionário adstrito à Universidade do Minho. Após décadas nos pavilhões de marcenaria, foi convidado para servir no Arquivo Distrital. Trabalhou no Arquivo uma década. O seu trabalho consistia em averiguar o estado material da casa e seu Aprovisionamento. Simplesmente deixou de praticar Marcenaria propriamente dita nos pavilhões em Gualtar. Lembro-me perfeitamente do pavilhões aquando da infância. Bem, acordou com o próprio reitor para ingressar do Largo do Paço. Para mim, era algo pouco promissor. Eu adorava os pavilhões. Fora lá que eu pintei a minha pasteleira cor de laranja... ou como eu, no mesmo ano em que ingressei em Aveiro, desci a lameira ali próximo com ela cheio de uma grande alegria. No entanto, estava perto de casa, no Centro Histórico de Braga.
Parece que estou em casa enfastiado, sem ânimo para ir ao Largo do Paço: «Merda!» Além disso, o meu pai estava numa fase muito contraditória. Sentia-se frustrado. Estava assim a modos que autoritário. Saí, portanto, e «Fervilha deste lado saúde e mercantilismo. E a Praça Velha, soalheira e vespertina, onde emboca a pitoresca Rua da Violinha. Todavia, nesse dia estaquei». No vidro de uma montra, vi o meu próprio reflexo. Era doentia, anti-natural. Eu estava enfezado, como que moribundo. Sei que voltei para casa. Não fui como combinado.
Ordenamento de território astral
Encontrei um deus no microondas
encontrei a tua mão
encontrei tudo menos o universo
Um gajo finge que move a cadeira
e os astros ordenam-se em novas formas sublimes
Volumes inebriantes para geografias opostas
Na poeira do deserto
te perdi
para sempre
Para além do Báltico
deserto em chamas
ruína fervilhante
neblina persa
Um presságio atravessou-me a mente
e um pássaro fez o ninho
descalço e intrépido
colocou raízes nas pontas
quinta-feira, 2 de maio de 2024
Alminhas
quarta-feira, 1 de maio de 2024
As Estrategas
Oix. Esta é uma história verídica sobre uma peripécia que teve evento no meu antigo apartamento, uma história de arrepiar cabelo, senão mais terrífico. Nessa fase da minha vida eu andava à procura de vencer uma insónia que me assolou a vida durante praticamente um ano. Digamos que foi numa fase mais difícil. Simplesmente não era capaz de dormir àquela hora precisa da noite. Porque eu gosto de dormir - e quando quero dormir, é impreterível para mim que seja antes da meia noite. Portanto, não quer dizer que fora um problema maior. É certo que muitas das vezes só achava cama por volta das 6 horas da manhã. Lembro-me que lutava dentro de mim por achar sono. Neste somenos, estando eu na cozinha, denoto, não sem uma crispada surpresa, três baratas em amena cavaqueira. Não, não é possível. Ali estavam elas num círculo entre si, numa conversa muito consentânea. Pareciam três estrategas. As tantas reparei que elas estiravam as pequenas patas numa interjeição. O que aconteceu seguidamente não é da minha natureza, até porque eu amo todos os animais sem excepção: acabei com aquela assombro com o chinelo que deitei ao lixo. Sim, sei que parece horroroso e emporcalhado, mas pus um fim àquilo. Esta é a história d' As Estrategas. Ehehe, mais um vez: passem o testemunho e comentem em baixo sobre peripécias obscuras ou extraordinários que vos aconteceu. Deixo-vos com os Cranes. Até já.