domingo, 12 de abril de 2015

A morte não é nada.

Silêncio de velório. Enquanto corto o tecido, e lhe dou cola para não desfiar as pontas, o diálogo suspende-se, indeterminadamente, quebrando a vida das palavras que animam o atelier de costura. Até o choro das carpideiras, que só existem hoje em dia no imaginário do povo, seria suficiente para alegrar as horas que passam. E já que o ambiente remonta a funerais, conto-vos que carreguei muitos caixões ao longo da vida.
Primeiro vai um. Depois vai outro. E pouco a pouco os entes queridos vão partindo. Até que um dia ficamos sós. Ficamos só nós num mundo descabido e sem graça.
Rosto a rosto, corpo a corpo, as tampas fecham-se. Flores e lágrimas. Depois a vida prossegue como se nada fosse. E no fundo a morte não é nada. Para muitos ao fim de poucos anos já os caixões carregados são só uma memória longínqua.
Na realidade a morte só tem impacto porque estamos vivos. E se estamos vivos nada mais resta senão esquecê-la e viver o tempo que ainda temos pela frente.
Neste silêncio de velório o trabalho prossegue. E nisto são horas de tomar café.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Reflexões para um Domingo de Páscoa.

Quatro e trinta e oito da madrugada. O chá ferve na chávena. A altas horas da noite desfaço torradas com a fileira de dentes que habitam a minha boca.
E é nestas horas de angustiante solidão e desesperante silêncio que, intercalando com as merendas nocturnas, penso nos climas de insatisfação que me proporciona a cidade quando nela é Domingo.
Aos Domingos batem as amarguras como batem as horas no sino da igreja. As ruas desertas e as lojas encerradas amplificam esse sentimento de desolação que meu coração acolhe.
Recordo-me de quem há muito abandonou o mundo físico. Penso no amor que migrou para outras geografias. Visualizo mentalmente o caminho mal planeado que tomou a minha estranha existência. E imagino um futuro de inquietações.
Deambula uma borboleta na sala. Deambulo eu na mais profunda tristeza. A borboleta voa, mas eu que não tenho asas caminho vagabundo na penumbra de Domingo. Foi Domingo. E não há Domingo nenhum em que não pense na morte.